sábado, 14 de junho de 2014

13/06/2014 09h28 - Atualizado em 13/06/2014 13h04 Pelo menos 13 pessoas morreram em um ano de protestos pelo país

13/06/2014 09h28 - Atualizado em 13/06/2014 13h0

Foram três mortes em MG e SP, duas em RJ e GO e uma no PA, RS e PI.
Famílias questionam validade de manifestações para mudança política.

Tahiane Stochero*Do G1, em São Paulo
Cinegrafista da Band Santiago Andrade morreu após ser atingido na cabeça por rojão durante protesto no Centro do Rio em fevereiro de 2014 (Foto: Agência O Globo)Cinegrafista da Band Santiago Andrade morreu após ser atingido na cabeça por rojão durante protesto no Centro do Rio em fevereiro de 2014 (Foto: Agência O Globo)
Em um ano de manifestações pelo país, pelo menos 13 pessoas morreram durante os protestos, segundo levantamento realizado peloG1. Ao todo, foram três mortes no estado de Minas Gerais e em São Paulo, duas nos estados de Rio de Janeiro e Pará e uma nos estados de Goiás, Rio Grande do Sul e Piauí. Nenhuma das mortes tem relação direta com confronto com a polícia. As mortes foram provocadas por atropelamentos, quedas, acidentes e o caso mais famoso, o do cinegrafista da Band, Santiago Andrade,atingido na cabeça por um rojão enquanto filmava um ato contra o aumento da tarifa de ônibus no Centro do Rio, em 6 de fevereiro deste ano. As outras mortes ocorreram durante manifestações em 2013.

Ouvidas pela reportagem, as famílias de várias vítimas relataram esperar que as mortes não tenham sido em vão e questionam a validade dos protestos para mudar a realidade brasileira. “Não vai ajudar em nada. Eles pediam redução na passagem de ônibus e, de lá para cá, aumentou de novo e ninguém fez nada", diz a mãe de um jovem de 18 anos atropelado durante uma manifestação no interior de São Paulo.
'Deitada em seu ombro, tivemos tempo de conversar sobre muitos assuntos, pedi perdão pelas minhas falhas e prometi seguir de cabeça erguida', escreveu Vanessa em rede social. (Foto: Vanessa Andrade/Arquivo pessoal)Vanessa com o pai, o cinegrafista Santiago Andrade
(Foto: Arquivo pessoal)
Ao G1, a filha de Santiago, a jornalista Vanessa Andrade, disse que nunca foi a protestos, mas que não acredita que "fechar avenidas, apedrejar bancos e pontos de ônibus seja o caminho para a construção de um país melhor". "Meu pai também era contra este tipo de violência. Aprendi com ele que o diálogo é muito mais eficiente quando se reivindica alguma coisa", afirma ela.
Ela questiona a validade das manifestações para mudar algo na sociedade mas defende que se pense sobre o que acontece. "Me pergunto sempre se esta é a melhor maneira de mudar alguma coisa, principalmente hoje, com o Brasil em evidência e com tanta representatividade. Será que fez efeito? (...) Aguardo a resposta até hoje", diz ela, que era a única filha de Santiago.

O cinegrafista, que tinha 20 anos de carreira, deixou ainda três enteados e a esposa, com quem era casado havia 30 anos.
Vanessa sente falta dos jantares com o pai - eram dois por semana, com a família toda reunida, além dos churrascos nos fins de semana.

"Meu pai tinha muita felicidade nisso, em estar no meio de uma família enorme. No fim das contas, foi essa mesma união que nos ajudou a passar por aquela imensa turbulência em nossas vidas. Só quem perdeu uma pessoa amada no meio da rua, assim, sem sentido, longe de tudo, pode entender o que passamos. Receber um telefonema e ouvir que seu pai está sendo internado após ser ferido em um protesto é algo que não desejo para ninguém", relembra.

VEJA HISTÓRIAS DAS OUTRAS VÍTIMAS DOS PROTESTOS DE 2013:
Douglas Henrique de Oliveira, 21 anos, morreu após cair de viaduto (Foto: Reprodução/G1)Douglas Henrique de Oliveira, 21 anos, morreu
após cair de viaduto (Foto: Reprodução/G1)
Minas Gerais
Três pessoas morreram na Grande Belo Horizonte, duas delas na capital e uma em Santa Luzia. Nenhuma das famílias recebeu ajuda do governo ou indenização, e não há conclusão de nenhum dos inquéritos. (Leia a reportagem)
Dois jovens caíram do mesmo viaduto, na Avenida Antônio Carlos, próximo ao Mineirão, em Belo Horizonte, durante as manifestações. Douglas Henrique de Oliveira, de 21 anos, morreu no dia 27 de junho, durante um confronto entre os manifestantes e a polícia, ao tentar pular de um lado para o outro do viaduto. A outra vítima é Luiz Felipe Aniceto de Almeida, 22 anos, que despencou do mesmo viaduto em 11 de julho.
“Fica a minha indignação, não mudou nada! A passagem aumentou, a Copa das Confederações aconteceu e a Copa do Mundo vai acontecer. Ouço a voz dele toda hora. É como se fosse ontem”, disse a mãe de Douglas, Neide Maria Caetano de Oliveira. Natural de Curvelo, ele morava na capital mineira havia dois anos para terminar o ensino médio e planejava voltar a estudar em 2014. O jovem trabalhava numa metalúrgica e morava em Contagem, na região Metropolitana.
“Ele era um jovem que estava inconformado com a atual situação do país, com os casos de corrupção, a falta de saúde e a impunidade, assim como tantos jovens que estavam ali protestando”, disse Thiago Silva, amigo que estava com Douglas na manifestação. Para a mãe de Douglas, Neide Maria de Oliveira Souza, o resultado dos protestos não foi a redução de R$ 0,20, “mas um coração dilacerado”.

Já para a mãe de Luiz, um ano depois, a dor ainda é forte. “Desde o dia 22 de junho do ano passado fica parecendo um pesadelo. A gente tem que reaprender a viver”, afirma Marisa Soares Almeida.
A terceira vítima no estado foi o garoto Lucas Daniel Alcântara, 12 anos, vítima do disparo de arma de fogo feita por um aposentado durante um protesto no bairro Cristina, em Santa Luzia, em 1º de julho de 2013. Havia um ato de moradores e o tiro atingiu a cabeça do adolescente.
Prestes a concluir o Ensino Médio, Marcos Delefrate sonhava cursar engenharia mecânica (Foto: Igor Savenhago/G1)Marcos sonhava cursar engenharia mecânica
(Foto: Igor Savenhago/G1)
São Paulo
No dia 20 de junho, o estudante Marcos Delafrate, de 18 anos, morreu atropelado por um veículo que estava no meio dos manifestantes e atingiu outras 11 pessoas. Marcos participava de uma passeata que reuniu 20 mil pessoas contra o aumento nas tarifas de ônibus, corrupção e que exigia melhorias na saúde e na educação. Ao G1, os pais do jovem dizem não acreditar em mudanças políticas no país. (Leia a reportagem)

“Não vai ajudar em nada. Eles pediam redução na passagem de ônibus e, de lá para cá, aumentou de novo e ninguém fez nada", diz a mãe, Rosenilda. "Por um lado, os protestos repercutiram no mundo inteiro, mas, por outro, não resolveram o problema".

O motorista foi indiciado por quatro crimes e permanece preso. Ele também paga uma indenização mensal de R$ 400 à estudante Nicole Rogéria Moreira Froes da Silva, de 20 anos, que quebrou a perna.
Igor Oliveira da Silva, 16 anos, morreu ao ser atropelado em Santos (Foto: Reprodução/G1)Igor Oliveira da Silva, 16 anos, morreu ao ser
atropelado no Guarujá (Foto: Reprodução/G1)
No Guarujá, o marceneiro Igor Oliveira da Silva, de 16 anos, também morreu atropelado por um caminhão que entrou em uma rua proibida para fugir das manifestações próximas à  Rodovia Cônego Domênico Rangoni, em 26 de junho. Silva trabalhava com o pai e, ao ser atingido, havia acabado de deixar uma marcenaria. Segundo familiares, o sonho dele era virar MC e ser cantor. No momento do acidente, ele estava com dois amigos em uma ciclovia, todos de bicicleta.
A avó de Igor, Maria da Pureza Aguiar, o jovem tinha um comportamento exemplar. “Era um menino maravilhoso. Não tem o que dizer. Era um ótimo menino e sempre brincava comigo. Ele me ligava e falava que eu era a mulher mais linda do mundo.”
A última das mortes ocorreu durante um protesto contra ações da Polícia Militar na Zona Norte de São Paulo na noite do dia 6 de junho de 2014, quando uma mulher foi atropelada por um caminhão que avançou sobre os manifestantes. O grupo, de cerca de 200 pessoas, interditava uma rodovia, que liga São Paulo a Minas Gerais, em uma manifestação contra atos da polícia na região. Priscila Adriana de Almeida, de 36 anos, não resistiu aos ferimentos. O motorista fugiu sem prestar socorro.
Goiás
Valdinete Rodrigues Pereira, de 40 anos, e Maria Aparecida, 62 anos, morreram atropeladas durante um protesto na BR-251, em Cristalina, enquanto participam de um protesto em 24 de junho. Elas interditavam a via com barricadas de pneus reivindicando melhorias em serviços públicos como infraestrutura, saúde, segurança e transporte da região.

O motorista fugiu sem prestar socorro e se apresentou à polícia no dia seguinte. Foi indiciado por homicídio culposo e responde em liberdade.
Ao G1, a irmão de Valdinete, Maria Cleide Rodrigues Pereira, diz que o motorista responsável pelo atropelamento está livre (Leia a reportagem). Ele fugiu sem prestar socorro. “Isso é o que mais revolta a gente, pois ela estava lá lutando por melhorias no bairro em que vivia e acabou morta. É muita dor e a gente quer justiça”. A família recebeu apenas o seguro DPVAT como indenização.

Maria Aparecida foi enterrada como indigente, pois não foram encontrados documentos e familiares dela, diz a Polícia Civil.
Rio de Janeiro
Em agosto de 2013, morreu o ator Fernando da Silva Cândido, de 34 anos, fundador do Cinema de Guerrilha da Baixada Fluminense. Em um vídeo publicado na internet, ele diz que inalou gás durante no protesto que reuniu 300 mil pessoas contra o aumento da passagem e terminou em depredação e vandalismo no Centro do Rio de Janeiro, no dia 21 de julho.

Omul jovem, que tinha nanismo e insuficiência respiratória, morreu com grave quadro infeccioso pulmonar. A doença pulmonar crônica poderia ter sido piorada devido aos gases lacrimogêneo e de pimenta inalados durante o protesto. A polícia abriu um inquérito para apurar a relação da morte com o protesto, mas o Ministério Público pediu o arquivamento do caso.
Patrick (Foto: Arquivo Pessoal)Patrick era uma promessa no handebol
(Foto: Arquivo Pessoal)
Piauí 
No dia 26 de junho de 2013, o estudante Paulo Patrick Silva de Castro, de 14 anos, foi atropelado por um táxi enquanto atravessava a Avenida João XXIII, Zona Leste de Teresina, em um local não permitido. Ele tentava deixar o local durante protestos contra o aumento da tarifa de ônibus urnanos.

Um ano depois, a mãe do jovem Elis Regina reclama que a investigação está parada e conta ter mudado a rotina após a morte. "Mudamos de casa, pois a antiga era cheia de lembranças do Patrik e os irmãos não suportavam conviver no mesmo lugar sem a presença dele. Tudo mudou na nossa vida, a família procura ocupar todo tempo livre para diminuir um pouco o sofrimento e não pensar na falta que ele faz", contou 
O técnico da Seleção Piauiense de Handebol, Juliano Ramos, que treinava Patrick, diz que o garoto tinha futuro no esporte. “Ele era uma promessa. Começou como reserva, mas era um atleta dedicado e esforçado. Tenho certeza de que este ano ele estaria entre os titulares que disputaram as seletivas do mundial. Inclusive, este era um dos seus sonhos que foram interrompidos por esta tragédia”, declarou.
Caminhoneiro de 44 anos morre depois de tentar passar por um bloqueio na BR-116 em Cristal, no Rio Grande do Sul (Foto: Alessandro Castro/PRF)Caminhoneiro morreu ao furar bloqueio na BR-116
(Foto: Alessandro Castro/PRF)
Rio Grande do Sul
O caminhoneiro Renato Kranlow, de 44 anos, morreu em Pelotas-RS, no dia 3 de julho de 2013, ao furar um bloqueio durante um protesto e, rodovias do estado. Os manifestantes, então, jogaram uma pedra no caminhão que quebrou o vidro da frente e atingiu Renato.

"Não tenho nenhum problema com manifestações, só não concordo com esse tipo de atitude de violência", diz o irmão da vítima, Ernani Kranlow. O motorista deixou mulher e uma filha de 14 anos.
Gari Cleonice Vieira de Moraes, 54 anos, morreu após um ataque cardíaco (Foto: Reprodução/G1)Gari Cleonice Vieira de Moraes, 54 anos, morreu
após um ataque cardíaco (Foto: Reprodução/G1)
Pará
A gari Cleonice Vieira de Moraes, de 54 anos,morreu no dia 21 de junho após sofrer ataques cardíacos após a explosão de uma granada de gás lacrimogêneo em protesto em Belém. Ela era hipertensa e tomava remédios. Mãe de três filhos, trabalhava havia um ano como servidora municipal.

Segundo a prefeitura, ela foi socorrida e sofreu cinco paradas cardíacas. Acredita-se que morte possa ter sido provocada pelo susto.
Maria Celis, irmã mais velha da gari, diz que ela era "uma pessoa muito calma". Um dos filhos, Adriano Moraes, afirma que a mãe não devia estar trabalhando naquele local e naquela hora. “Minha mãe saiu para trabalhar e acontece esse desastre com ela. Não era para terem liberado a minha mãe no meio daquele tumulto.”
Outro filho da vítima, Wallace Moraes, diz que a família só recebeu o que ela tinha direito como trabalhadora municipal e que irá pedir indenização pelo ocorrido.

*Colaboraram G1 PA, G1 GO, G1 Ribeirão, G1 Piauí, G1 MG e G1 RJ

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